domingo, 22 de março de 2009

Amores Clandestinos, na sessão das 4, no Cine Cassino - Por:Socorro Moreira

(Foto de Pachelly Jamacaru)


O filme “Amores Clandestinos” bombeou, nos anos 60. Vinha bem a calhar, dentro do contexto da época.
Depois de comprar o ingresso, passar pelo porteiro, delegado de menor, entrava na penumbra da sala, e esperávamos o apagado de todas as luzes.
O único que conhecia todos os segredos ocultos era o Lanterninha. Focava cadeiras vazias, e focava por “descuido” aquelas ocupadas pelos casais, justo, os que fugiam da luz... Dos olhos da família, do preconceito social, e da própria timidez.
Tinham naturezas diversas, posto o dito: amores impossíveis, amores nascentes e crescentes...Amores dos amasses ( puro cheiro, puro sarro)...Amores tímidos, ingênuos e trêmulos ; amores despudorados, explícitos na “safadeza” do poder hormonal...Todos eram instigados , pela cumplicidade de um escuro técnico .
Muitas “pernas gordinhas”, (como a canção do Tiago Araripe), molhadas, sedosas, balançavam pés nervosos. Beijos de língua, de pescoço, de outras partes, outros pedaços do corpo... Como mãos, e bochecha do rosto!
Enlevada no enredo do filme, desligava-me da terra. , mas perdia meu olhar, muitas vezes, na doce tensão da espera.
Um dia, ele chegou, e sentou-se numa fila adiante de mim. Encostou sua cabeça numa peruca canecalon, loura com a da Marilyn... Meus olhos desviados da tela ficaram lá, pregados e chorosos, naquele bandô total, que recebia afagos, e abraços.
Quando a fita anunciou o “THE END”, sorrateiramente mudei de lugar, e aproximei-me mais um pouquinho, pra descobrir na saída, se era azul, os olhos daquela diva.. O moço correu apressado, antes do acender das luzes. Enfim tudo claro! Eram dois olhos morenos. Olhos conhecidos, subservientes, corajosos e apaixonados....
Covarde, o meu gato!
Estava lá, a musa de tantos brotos!

Era assim, o cotidiano do maior entretenimento da City.... Divertia, aproximava, e escondia. Transportava os nossos sonhos para o glamour hollydiano. Se não existisse a censura do Bispo, colada no mural do Café Crato, acho que não teria perdido nenhum drama escandaloso, que o cinema ensinava. Mas eu estava lá... Em todos de Marisol. Joselito, Shirley Temple, Walt Disney...
Nunca, em “Amores Clandestinos” – (clássico com Sandra Dee e Troy Donahue – trilha sonora - Summer Place... Linda!!!).
Namorei sem pegar na mão... Só no roçar dos braços. Mas não nego a presença do tesão, nas orelhas afogueadas. Namorei com cochichos no pé do ouvido. Com mordidas no pescoço, e balas pepper, zorro, ou anis.
Namorei com os meus ídolos... Puros, românticos, sofredores, heróicos, belos, e gentis.
No Cinema não faltava:
Assovios
Suspiros
Gemidos
Choros... Alguns até convulsivos. (Chorei assim, no filme Irmão Sol e Irmã Lua, e até na Paixão de Cristo).
A vida se harmonizava na sala de projeção.
Tempos sem analistas, psiquiatras...
Tempos de sessão de risos com Jerry Levis, Cantinflas, o Gordo e O Magro, e Zé Trindade.
O Cassino de hoje é um campo de energia obscura. Ficou apenas o escurinho do cinema, na beleza deteriorada.
Perdemos a cortina grená. O lanterna iluminando a paixão dos casais...
Foram-se o misturado dos perfumes, o mascarem dos chicletes Adams, o estouro das bolas do ping pong, na falta do beijo amado.
Era bom, até cochilar de viver, naquele ninho!
Nada mais excitante, aventureiro e libidinoso, do que um encontro clandestino, na sessão das 4, no Cine Cassino.
O Lanterninha que ressuscite essa “Cratíadas”, como já fez Zé do Vale, noutro contexto.

Por Socorro Moreira

Um comentário:

socorro moreira disse...

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...
Quando olhares para o que a ti parece nostalgia/ pense num tempo de encontros / numa era das ruas / transeuntes, olhares trocados, noites que prometiam.

Quando vires as noites de agora / soluce com as divisões dos cômodos da casa / uma tela em cada quarto / um isolamento em todas as horas / uma noite para recolhas / um vazio só resolvido com jantares e cerveja / ao som de um estapafúrdio forró eletrônico.

Quando uma juventude fazia algo clandestino / pense que havia isso / que as cercas eram saltadas / que a regra era refeita / que encontro era subversivo e tudo podia ser diferente.

10:36 PM


Socorro Moreira disse...
JOSÉ DO VALE : Você tem o coração do mundo , sob cuidados médicos.
Cuidados amorosos.
Vai um tempo, chega um novo, que também se despede... É assim a sequência dos anos ... Modifica a cena, como naquele filme :"Em algum lugar do passado"...

Em qualquer era, o amor se reveste , na tímida clandestinidade de vivê-lo.
Sou infratora, mas não sou "leninista".
O amor tem como única arma a ternura... E como deleite , a poesia !


Leio tudo que você escreve. Vivo o caos da tua alma compreensiva,sábia, sensível, delicada e bela !