domingo, 27 de abril de 2008

Da Infância aos dias de Hoje . (Apenas um sonho ?)




Nasci na Rua das Laranjeiras. Aos dois anos de idade, minha família mudou-se para a Rua da Pedra Lavrada, e lá ficamos por 5 longos, breves anos!
Rotina diária:O relógio da Matriz, badala de meia, em meia hora...Ainda madrugada, a casa acorda. Vovô Alfredo , com pouco mais de 60 anos, acende o fogo de lenha, e "passa" o primeiro café: quente e forte! Ferve o leite , e com arrozina faz o mingau das meninas. Dá uma espiadela em Donana , que já desperta, reza o rosário da Imaculada Conceição, enquanto clareia o dia... São cinco terços e uma série de ladainhas.Na sequência, passa o lenheiro, o padeiro, o leiteiro e o verdureiro.-Olha o pequi... a banana prata... o cheiro verde... a massa puba... e a cana caiana! Chegam as mulheres da Batateira que por uns tostôes ajudam na lida da casa...São todas comadres: Joaquina, Rosa e Joana.Uma lava os pinicos; outra assume o pilão, e a outra varre o chão - nêle dá uma aguada pois teto sem fôrro e piso de tijolos não dispensam vassoura de palha ,e água pra assentar a poeira. Vovô Alfredo é quem cuida da carne. Mata e trata a galinha; prepara o torresmo, a buchada, a linguiça, o sarapatel, o fígado, e até o chouriço...Ninguém sabe fazer do seu jeito, nem melhor! Donana é a senhora dos doces em tachos de bronze; dos biscoitos de goma em palha de banana; dos sequilhos, brevidades...
A casa, completamente musical. Seu Alfredo assovia "Delicado"; Moreireirinha canta "Renúncia" de Roberto Martins; Erice , com voz de soprano, no banho de cuia, interpreta "Babalu"; Donana canta - enquanto cata arroz na arupemba.."Perdão, Emília"; Valda , embalando as filhas, solfeja uma canção de ninar... " Boi, Boi, boi...Boi do Piauí..."; Didi canta Linda Batista, e espera o carteiro chegar; Dona Joaquina , no tanque e Joana engomanda as roupas de linho branco . Uma voz da vizinhança , canta em toda altura um sucesso de Cauby ... "Eu me lembro muito bem "; Francisco na sanfona de madrepérola, executa La Comparsita ou Petite fleur; na vitrola da sala,Chico Viola em " Cinco letras que choram"; no rádio de pilhas , a novela de rádio, a voz do Brasil, o jôgo de futebol e o programa de auditório; na amplificadora de rua: A lenda do Beijo e o Guarani!
Nas calçadas, brinquedos e folguedos ... cantigas de roda, patinetes, velocípedes, pula-corda, pião, bola de gude, xibiu , bruxas de pano,bonecas que andam, baladeiras, cabra-cega, cinturão-queimado, a brincadeira do anel, esconde-esconde...
Todos saltitantes...Ciranda,cirandinha...O meu chapéu tem três pontas ...,Noite fria, tão fria de junho...O Natal já vem, vem, vem vem...E assim o tempo passa, os velhos morrem, e a gente cresce!

Em 1955, a primeira escola: Externato 5 de julho .(Dona Anilda Arraes, como Diretora ,e Dona Quintina, a primeira professora).
Bom lembrar a festa de Agôsto da Associação de Comércio.Pedro Felício Cavalcante, do Banco Caxeiral era o Presidente. Minha tia Ivone fazia os pastéis... sequinhos, recheados com carne de porco e azeitona.Havia o baile tradicional, que por ser criança, eu nunca fui! Telma Saraiva era a fotógrafa oficial de todas as famílias.Décio Cartaxo, Ossian Araripe e Jose Horácio Pequeno fôram os Prefeitos da época ,pelo partido do velho Filemon Teles: a UDN! Era engraçada a época das eleições. O povo brigava na política. Família e amigos se estranhavam...Ou você era udenista ou pessedista.Na minha própria casa, os votos eram divididos e, a partir dessa divisão, convivi com muitos conflitos. Besteira, esta paixão política, que alterava os ânimos, provocava brigas, e até intrigas!

Em 1955, a primeira sessão de cinema.Matinê no Cine Moderno, pra assistir "Branca de Neve e os Sete Anões".Ingressos a dez tostôes."Eu vou, eu vou...pra casa agora eu vou!"

Um desenho animado de Walt Disney.

Em 1956 morre meu avôAlfredo de aneurisma.Foi um dia de juízo.Ele era amado demais.Com ele fôram-se as balas de mel com umburana, os tostões para comprar perulitos...Partia o mais habilidoso artesão da região.Na hora do entêrro, alguém levou a criançada para brincar no Parque municipal... Calada, catei carrapêtas, nos pés de eucaliptos...Naquele dia eu perdi a meninice !Minha casa perdeu a música, o cheiro de rapé, os latidos de Tupã, e os vestidos coloridos de Donana .No guarda-roupa de cedro, os seus ternos! Caqui era a sua cor favorita!Quem passou a consertar o relógio da Praça da Estação, a fazer bolas de bilhar para o Bar Ideal, a fazer com folhas de flandre mil objetos artísticos ou utilitários ... Não descobri ?!

Moreirinha ( meu pai) assumiu a chefia da família. Entrou em depressão. E a nossa vida por uns meses, mudou de situação.A velha vitrola ficou muda...Nenhum samba canção. Quando a música me fazia falta, eu cantarolava no quintal e chorava muitas vezes, com razão ou sem razão.Ô jardineira, por que estás tão triste/Mas o que foi que te aconteceu...A vida não tinha conseguido quebrar o meu rádio de pilhas!

Em 1958, dois anos depois, estávamos morando numa casa de sobrado, no bairro do Pimenta , quase que deserto, na época. Além da nossa , apenas umas três ou quatro casas. Mas tinha o Tênis Clube por perto. Manhãs de domingo , partilhávamos das matinais dançantes , na varanda do primeiro andar . De olhos fechados dancei bolero, tango, dancei mambo...Mambo Espanha!Meu mundo encantado de sonhos e poesias se descortinara...Era a síndrome de Cinderela... , e eu tinha apenas sete anos!

Na década de 1950, o mundo ainda temia as guerras.

Hoje é Sete de Setembro. Escuto o ruflar de tambores...O povo brinca de desfiles militares e nisso não vejo nenhuma graça. Prefiro acreditar que a terceira guerra mundial, acontece no coração da gente, no dia a dia , e a paz reina, concomitantemente!Em tempos passados, a gente já sabia quando a manhã terminava, quem ganhara o primeiro lugar no desfile: O Estadual ou o Diocesano? E a baliza? Quem era a garota mais bonita?

Não sei o que fazer das noites...Se Dihelson, Abidoral, Salatiel, Cleivan, e outros tocassem pra gente ouvir, a gente desligaria os botões da Globo!

Os antigos estão todos partindo...Muita terra improdutiva...mais ainda adoçada com o mel do caju!

Hoje é sábado, dia 07 de setembro de 2007 . A casa está semi-acordada.

Nada na cidade que possa interessar-me ... Adeus badalações !

"Los the os" toca na " Casa de Taipa"...Um som mix de todos os tempos.E o que mais agrada são as velhas músicas de Roberto Carlos e dos Beatles. Isso, considerando o gosto d0s que já passam dos 40 anos .Na multidão, aqui e acolá, um brilho de prata, salpica o cabelo da moçada.
No mais, a geração é Pop . Moçada que gosta de badalação , toma todas, e estica a noite, em busca de emoção.Nem sei se acha.O fato é que sorri de tudo, e chora por tudo , também.Parece que o riso e o chôro vivem em alternância no coração da gente, mas nem todos conseguem expressar , tão naturalmente...


Vivo recolhida . Queria um bar jazista, uma pista de dança, poemas em guardanapos, pessoas interessantes...( Não é que elas não existam...mas se escondem, se espalham, se deslocam ou dormem nas estrelas, em pontos do infinito) !

Nenhum comentário: