segunda-feira, 6 de julho de 2009

Mil Palavras - Por Fábio Brüggemann- Foto by Claude Bloc


Cafés, os sem cafeína. Carnes, as mal passadas. Pães, os que eu mesmo amasso. Doces, os com pouco açúcar.

Governos, os que apenas governam. Políticos, nenhum, porque, segundo o poeta negro norte-americano, e. e. cummings (assim mesmo, em caixa baixa, como ele assinava), por outras palavras, não são humanos. Juízes, os que não se vendem por R$ 2 milhões.

Cidades, as que ainda não têm meninos cheirando cola nas ruas. Bares, os quais eu posso fumar, beber, conversar em paz e encontrar meus amigos.

Amigos, os que podemos ficar em silêncio sem que o silêncio nos incomode. Escolas, as que a elite babaca abandonou.

Livros, os que usam letra com serifa e não se pretendem cheios de firulas, que têm margens grandes e que cheiram bem.

Regras, as que devem ser quebradas sempre. Leis, uma única, a de que ninguém tem o direito de amedrontar alguém. Trabalho, só os que dão prazer, que não têm horário fixo para cumprir e que remunerem com justiça.

Cheiros, o que abrem as gavetas da memória. Mate, os mais amargos. Frios, os secos. Calor, só quando estou próximo ao mar. Mar, todos eles.

Poemas, os que não têm tradução. Prosas, as mais poéticas. Filhos, os mais amigos. Fumos, os de baunilha. Paisagem, as planas e altas. Cabelos, os mais curtos. Casas, as mais amplas, ensolaradas, de janelas grandes e com varanda.

Conversas, as que dão vontade de apenas ouvir. Artista, o que não faz concessão.Esperas, as que nunca têm fim, porque alimentam como o pão que não mata a fome.

Amores, os impossíveis. Cachimbos, os feitos de brezo. Remédios, os que não preciso tomar. Bebidas, uísque para sair e vinho para ficar em casa. Sucos, os do limão. Chás, os de hortelã com cidreira.

Lua, a mais redonda. Rios, os limpos, em que a água corrente faz lembrar o rio de Heráclito. Árvores, a araucária. Futebol, o que jogo às segundas-feiras.Estradas, as mais vazias. Roupas, as de algodão.

Papéis, os mais rugosos. Comidas, as que eu mesmo invento. Flores, as que não temem sua memória genética e que mostram ao homem o que ele não consegue admitir: que têm de morrer pra germinar. Mulheres, as que gostam de medir minha mão na sua.



Fábio Brüggemann__

________________________________________________________________________ Mil Palavras


Apesar da frase feita avisar que uma imagem vale por mil palavras, as duas linguagens são tão distintas, que uma não substituirá a outra, tanto em seu significante (o óbvio) quanto no seu significado.

Para a sustentação da tese de que uma imagem vale por mil palavras é preciso usar de palavra. De que maneira, com imagem, conseguiríamos?

Mesmo que alguém, ao mostrar uma imagem, implicitamente queria dizer que não necessita de palavras, ela ainda terá tanta conotação, que será bem difícil o receptor da mensagem entender o que ela queria ou quis dizer.

Por que necessitamos tanto reter uma imagem num papel, numa tela, na parede da casa? Mesmo antes da invenção da fotografia, desde os primeiros rabiscos pré-históricos, sempre houve gente querendo “fixar” a realidade de algum modo. Mas a realidade é “infixável”, porque a própria fixidez é momentânea, disse Octávio Paz.

Talvez seja por isto que a arte (principalmente esta que quer ser fixada, a imagem), tenha tanta importância no imaginário coletivo.

Ela não é vida, mas é um sinal dela, evidência, pegada, vestígio de que existiu alguma coisa, um objeto, uma pessoa, uma montanha ou uma araucária e, o mais importante, o de que alguém idealizou e deu forma àquele objeto a que chamamos imagem.

Ela é tão complexa que mesmo “fixa” podemos ver seu movimento.O que nos leva a desejar o que não nos pertence? Por que quero saber o que não está impresso na fotografia?

As frases das meninas correndo numa hora feliz, o banco de ferro onde o casal sentou em Barcelona na foto de Robert Capa, a blusa de lã listrada na única fotografia tirada naquela sacada, o rosto escondido atrás dos braços e o pescoço visto de lado e mal iluminado.

O que pensava?

O que sentia enquanto sorria para a fotografia?

Por que parece tão múltipla e tão inexistente ao mesmo tempo?

A vida é assim mesmo, como disse Roland Barthes, feita a golpes de pequenas solidões.

Talvez por isso eu carregue esta impressão (em ambos os sentidos) de que me restou apenas uma fotografia.

Quem sabe nela resida este vestígio de mil palavras que um dia significaram “sim”, mas que a imagem hoje insiste em me dizer “não”.


Fábio Brüggemann

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